terça-feira, 24 de maio de 2011

Entenda a polêmica do livro que defende o “nós pega” na escola

Obra distribuída pelo MEC provoca debate sobre o papel da língua popular na sala de aula


Aceitar a expressão “nós pega o peixe” como parte de uma linguagem adequada causa estranhamento e – em alguns casos – indignação de brasileiros zelosos pela língua culta. Mas a linguagem popular, considerada por linguistas como uma forma de comunicação válida e com regras próprias, é também usada em salas de aula, conforme revelou o iG na semana passada ao mostrar que um livro utilizado em 4.236 escolas públicas do País para a Educação de Jovens e Adultos defende que o uso desta língua oral é adequado.
Mais do que um fato isolado, o livro Por uma Vida Melhor, da Coleção Viver, Aprender, trouxe à tona uma polêmica antiga nos meios acadêmicos. De um lado, estão linguistas que defendem a obra que prega que o aluno pode falar “os livro”. Eles entendem que o uso da língua popular no ensino ajuda os estudantes de classes populares a se sentirem incluídos e, com isso, aprenderem com maior facilidade a norma culta. De outro, os que acreditam que esta prática limita a ascenção social dos próprios alunos.
“Para a linguística, não é um problema descrever a maneira como as pessoas falam, mas isso é diferente de dizer que o uso popular é desejável”, explica o linguista Bruno Dallari, ao comentar o conteúdo da obra da Coleção Viver, Aprender. “Esse não é um episódio isolado. Um grupo da linguística, ligado a sociolinguística e a educação popular, defende que considerar a língua falada no ensino é uma forma de evitar preconceito linguístico, de incluir as pessoas das classes mais populares, mas é preciso tomar cuidado para não achar que todas as pessoas da área pensam dessa forma”, explica. “Aceitar o ensino da língua popular pode provocar o efeito contrário, deixando apenas para a elite o uso da norma culta”, complementa Dallari.
Na mesma linha, o imortal da Academia Brasileira de Letras e gramático Evanildo Bechara, autor da Moderna Gramática Portuguesa, afirmou na semana passada que o aluno não vai para a escola “para viver na mesmice” e continuar falando a “língua familiar, a língua do contexto doméstico”, mas para se ascender a posição melhor. Na segunda-feira, a preocupação da ABL foi transformada em uma nota em que a instituição diz estranhar certas posições teóricas dos autores de livros que chegam às mãos de alunos dos cursos Fundamental e Médio.
Na defesa da obra, Marcos Bagno, autor de livros como A norma oculta – língua & poder na sociedade brasileira, explica que o livro está de acordo com parâmetros curriculares do Ministério da Educação, que entendem que a língua é heterogênea e que não há feio e errado. “A função da escola é introduzir novidades”, diz. Segundo o professor, antigamente as escolas trabalhavam para substituir o jeito que os estudantes falavam, o que os deixava inseguros. “Agora, o aluno se reconhece no material didático e consegue se apoderar de outras formas de falar”.
A autora da obra, Heloisa Ramos, ao comentar o conteúdo afirmou que apesar de haver trechos dedicados ao uso da norma popular, o livro não está promovendo o ensino dessa maneira de falar e escrever. “Esse capítulo é mais de introdução do que de ensino. Para que ensinar o que todo mundo já sabe?”
Apesar da polêmica, o Ministério da Educação não pretende proibir o livro. Depois de divulgar nota em que afirma que papel da escola não é só o de ensinar a forma culta da língua, mas também o de combate ao preconceito contra os alunos que falam “errado”, o próprio ministro Fernando Haddad afirmou que não tem motivos para censurar a obra. “Estamos envoltos em uma falsa polêmica. Ninguém está propondo ensinar o errado”, disse em entrevista à rádio CBN. Último Segundo

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