Por Carla Cinara Luz
Ser professora tem me permitido vivenciar experiências ímpares. Lembro carinhosamente de um garotinho tímido, aluno de uma sala vizinha à que eu lecionava. Ele caminhava cerca de quatro quilômetros todos os dias para chegar à escola e fazia o mesmo percurso na volta para casa. Sempre tentei me aproximar dele, mas parecia impossível roubar um sorriso daquele rostinho triste. A verdade é que na sala de aula as professoras achavam que o caso dele era complicado e que certamente tinha “déficit de aprendizagem” (acho que ainda está na moda dizer isso quando os alunos apresentam dificuldade em aprender e nós professores, depois de vários esforços e tentativas não mais sabemos como melhorar tal situação). Coincidia que por vezes voltávamos juntos para casa (até determinado ponto, pois eu residia bem próximo à escola). Eu tagarelava sempre, enquanto ele dizia pouquíssimas palavras. Certo dia me ofereci para almoçar em sua casa, afirmando estar faminta! Após uma pausa silenciosa, o garoto começou a contar as coisas que justificavam seu aspecto físico tão cansado e parte de sua dificuldade em desenvolver sua cognição: contou que não poderia me levar, embora eu fosse legal com ele.Disse que a comida era bastante regrada e que se eu fosse, alguém ficaria sem comer. Citou que seu cardápio há tempos era apenas abóbora, em todas as refeições diárias. Ele me disse o quanto era bom quando seu tio fazia a surpresa de levar leite, para que houvesse a variação do prato, que ao invés de ser abóbora, seria abóbora com leite, quentinho e derretendo na boca! Senti-me envergonhada por ter me oferecido e muito sem graça saí do assunto afirmando que havia sido só uma brincadeira minha. Não lembro exatamente o que passou à minha cabeça naquela época, mas preciso admitir que nada fiz para tentar mudar a realidade daquela criança ou ao menos amenizar a escassez que aquele menino vivenciava. Me envergonho por isso, como me envergonho por até hoje, inconscientemente, tantas vezes atribuir ao meu aluno um déficit que não é dele ou que ao menos ele não tem culpa por carregar. Tenho tentado ter mais cuidado, me esforço em ser alguém melhor, mas ainda assim deixo passar oportunidades de ser mais digna, amável e útil aos meus pequenos e às pessoas que me cercam. Após tantos anos, passei esta semana pelo garoto, vestido numa farda de colégio. Foi rápido, mas ele me olhou e sorriu pra mim. Foi impossível não me emocionar! Lembrar dessa história despertou em mim o desejo de registrá-la aqui. Fico feliz por ele não ter desistido dos estudos, mas, ainda mais feliz fiquei por vê-lo sorrir. Memórias feito essa me possibilitam finalizar dizendo que o bom professor se permite aprender muito mais do que ensina e que a aprendizagem está para muito além da sala de aula, nas ruas e calçadas da vida!
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